Rodrigo Paiva, MSc. MIT
Em 1940, um jovem John F. Kennedy, ainda estudante de Harvard, publicou o livro Why England Slept, no qual analisava as razões pelas quais a Inglaterra demorou a reagir à ameaça representada pela Alemanha nazista. Kennedy argumentava que o atraso britânico em se preparar para o conflito resultava de uma combinação de fadiga pós-guerra, resistência política interna e um profundo desejo de evitar novos confrontos. Essa hesitação, embora compreensível, teve consequências graves.
O Brasil, de maneira análoga, parece ter “dormido” enquanto outras nações progrediam. Na segunda metade do século XX, o país possuía todas as condições para alcançar um lugar de destaque entre as economias mais ricas do mundo: população jovem, abundância de recursos naturais e uma posição estratégica no comércio global. No entanto, ao observar o desempenho do PIB per capita brasileiro em comparação a países como Coreia do Sul, Irlanda e Portugal — nações que, nos anos 1950, apresentavam indicadores econômicos semelhantes ou inferiores —, torna-se claro que algo se perdeu no caminho.
Este artigo propõe uma reflexão: por que o Brasil não acompanhou o avanço mundial? Tal como Kennedy examinou a complacência britânica, aqui analisaremos os fatores políticos, econômicos e sociais que levaram o Brasil à estagnação relativa. E, talvez mais importante, questionaremos se ainda há tempo para acordar.
Contextualização Histórica
Nos anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, o Brasil parecia estar no ponto de partida certo para se tornar uma grande potência. Em 1950, o PIB per capita brasileiro era comparável — e em alguns casos superior — ao de países como Coreia do Sul, Portugal, Espanha e Irlanda. Em termos de população, território e recursos, o Brasil dispunha de vantagens naturais que pareciam prometer um futuro de prosperidade.
A Coreia do Sul, devastada pela guerra, tinha um PIB per capita equivalente a menos da metade do brasileiro. A Irlanda, ainda marcada pela pobreza e pelo isolamento econômico, era vista como uma das economias mais atrasadas da Europa Ocidental. Portugal e Espanha viviam sob regimes autoritários e apresentavam indicadores sociais e econômicos modestos.
No entanto, nas décadas seguintes, essas nações trilharam caminhos diferentes. Investiram em educação de qualidade, reformaram suas instituições, modernizaram suas economias e se integraram estrategicamente aos mercados globais. Em 2025, o PIB per capita da Coreia do Sul é mais de três vezes maior que o do Brasil. A Irlanda se tornou um dos polos tecnológicos e financeiros da Europa. Portugal e Espanha alcançaram padrões de vida impensáveis na época em que compartilhavam indicadores com o Brasil.
Enquanto isso, o Brasil atravessou ciclos de crescimento insustentáveis, crises econômicas recorrentes, hiperinflação, instabilidade política e desigualdade social persistente. Apesar de avanços pontuais, como a estabilização monetária nos anos 1990 e a expansão do mercado interno nos anos 2000, o país não conseguiu sustentar um ciclo duradouro de desenvolvimento econômico.
Esse contraste levanta uma questão inevitável: por que o Brasil dormiu enquanto o mundo mudava?
As causas do sono Brasileiro
Pacifismo Econômico e Avanço Incompleto
Assim como a Inglaterra do entreguerras, que temia se envolver em novos conflitos e adiava decisões estratégicas, o Brasil repetidamente evitou reformas estruturais profundas. A resistência a mudanças em áreas como a educação básica, a abertura comercial e a modernização tributária atrasou a capacidade do país de responder às exigências do novo cenário global.
O receio de enfrentar disputas internas — políticas, sociais ou corporativas — levou a sucessivos adiamentos de decisões vitais para o desenvolvimento.
Falta de Planejamento Estratégico
Na ausência de uma estratégia nacional de longo prazo, o Brasil avançou a passos desiguais, muitas vezes guiado por soluções improvisadas e medidas de curto prazo. Enquanto países como a Coreia do Sul planejaram seu futuro com metas claras para educação, industrialização e tecnologia, o Brasil se contentou com ciclos de crescimento espontâneo, sem consolidar bases sólidas.
Fragmentação Política e Instabilidade
Durante o período em que a Inglaterra hesitava internamente sobre como lidar com Hitler, o Brasil sofreu — e continua sofrendo — com divisões políticas profundas. A incapacidade de construir consensos duradouros sobre políticas de Estado impediu avanços consistentes, gerando volatilidade econômica e social.
A sucessão de governos com visões antagônicas, sem continuidade nas políticas públicas, corroeu a confiança de investidores e cidadãos no futuro do país.
Miopia das Elites
Kennedy apontava que a elite britânica ignorou sinais claros de perigo. No Brasil, o comportamento foi similar: parte das elites políticas e econômicas privilegiou interesses imediatos em detrimento de reformas estruturais que poderiam beneficiar a sociedade como um todo.
A defesa de privilégios setoriais, o corporativismo e a resistência a mudanças necessárias comprometeram a capacidade do país de construir um projeto nacional inclusivo e competitivo.
Choques Externos Mal Gerenciados
Enquanto algumas nações usaram crises globais como oportunidades para se reinventar, o Brasil frequentemente respondeu a choques externos — como os choques do petróleo nos anos 1970 e as crises financeiras dos anos 1980 e 1990 — com políticas reativas e de curto prazo, aprofundando a vulnerabilidade econômica.
Consequências: O preço do sono
As consequências desse sono histórico são visíveis:
• O PIB per capita brasileiro permanece estagnado em comparação aos países que enfrentaram seus desafios de frente.
• O crescimento médio anual do país é baixo, incapaz de sustentar melhorias duradouras na qualidade de vida.
• A desigualdade social, embora reduzida em certos períodos, continua elevada.
• O processo de desindustrialização precoce comprometeu a capacidade de inovação e competitividade da economia brasileira.
Conclusão: Ainda há tempo para acordar?
Assim como a Inglaterra foi forçada a acordar brutalmente para a realidade da guerra, o Brasil pode ser impelido a mudar por forças externas ou internas. A diferença é que, quanto mais o país adia reformas essenciais, mais difícil e custoso será recuperar o tempo perdido.
A lição que John F. Kennedy deixou em sua análise permanece atual: a complacência frente a desafios claros é, em si mesma, uma escolha — e suas consequências são inevitáveis.
O Brasil, que tantas vezes sonhou em ser um gigante, ainda tem a chance de acordar. Mas essa janela de oportunidade não ficará aberta para sempre.